A Festa de Pentecostes encerra para os cristãos o tempo pascal. É o Espírito Santo que vem, segundo a promessa de Jesus, para nos ensinar toda a verdade (Jo 16, 7.13). No entanto, para alcançar a verdade plena que o Espírito quer e pode nos ensinar, é preciso estar disponível à sua ação em nós. Sem esta disponibilidade, sem esta abertura ao sopro renovador que Deus quer infundir em nós, o Espírito é vento que sentimos, mas que não permitimos que desinstale tudo aquilo que precisa ser desarranjado em nossa vida, para que nossa existência ganhe novos contornos, a partir da nova configuração que a ação de Deus pode realizar em nós. Mas que verdade plena é essa da qual Jesus fala? Verdade plena não quer dizer chegar à iluminação total, ao conhecimento de todos os mistérios da existência. Mas quer dizer que, se nos deixamos guiar pelo Espírito de Deus, ele há de nos dar a lucidez da verdade necessária para todos as situações da nossa vida. 116z3k
Este ano, em sua mensagem por ocasião do 56º dia mundial das comunicações sociais, o Papa Francisco nos exortou a escutar com o ouvido do coração. Muito mais que disponibilizar os mecanismos do nosso aparelho auditivo, o Papa nos convoca a inclinarmo-nos inteiros em direção às pessoas, às realidades que clamam a nossa atenção, a nossa presença, o nosso coração. E são muitas as situações que clamam a nossa escuta desinteressada, nossa entrega por inteiro. O número de pessoas solitárias, sofrendo de transtornos psíquicos, vivendo grandes crises e empobrecidas tem aumentado consideravelmente. Em 2020 tínhamos 19 milhões de pessoas ando fome no Brasil, hoje já são 33 milhões. Em dois anos quase dobrou o número dos famintos. Temos visto o lamentável aumento do número de pessoas que aram a morar nas ruas. Espoliadas de toda a sua dignidade! Temos consciência de que a situação é complexa, de que os motivos desse aumento são vários, mas temos consciência também de que devemos inclinar o ouvido do nosso coração a todos esses nossos irmãos e irmãs; escutar suas histórias, suas razões. São essas realidades de extremos desafios que demandam de nós o clamor pela assistência do Espírito que pode nos ensinar toda a verdade.
É preciso ainda que escutemos com o ouvido do coração os gritos da nossa mãe Terra e seus povos originários. Quantos irmãos indígenas e pessoas que os defendem e endossam suas lutas têm sido perseguidas e mortas porque propõem um trato sustentável na relação com a criação. Precisamos pedir ao Espírito da Verdade que restaure em nós o olhar e o ouvido dos nossos primeiros pais, postos no jardim de Éden, e que ouvem de Deus que o devem cultivar e guardar. Precisamos repensar o nosso conceito de desenvolvimento. Desvinculá-lo somente do aspecto técnico-científico-econômico e vinculá-lo à qualidade de vida em sentido amplo: desenvolvimento também a partir de relações fraternas, pacíficas, dialogais, da fruição e preservação da criação, da busca da harmonia psíquica, do incentivo às relações de cooperação e não meramente de competição, do entreter-se em conversa constante e amical com o Criador. Isso e muito mais também deve ser compreendido como desenvolvimento.
Escutar é uma forma de hospedar. Na sagrada Escritura vemos Abraão acolher e pôr-se em diálogo com os três anjos que o visitam e receber deles a alegre notícia de que o filho da promessa nascerá (Gn 18,1-16); vemos o profeta Elias ser acolhido pela viúva de Sarepta que o escuta e, por esta escuta, vê sua situação de morte iminente transformada em saciedade e vida (1Rs 17,7-16); nos Evangelhos vemos muitas pessoas que hospedaram Jesus e viram suas vidas transformadas – Zaqueu, os discípulos de Emaús, a sogra de Pedro, Jairo, o chefe da sinagoga, os noivos das bodas de Caná, Marta e Maria etc. E sobre esta última podemos ouvir Jesus dizer que ela escolheu a melhor parte quando optou por sentar-se a seus pés e escutá-lo (Lc 10,42).
É urgente aguçarmos os ouvidos do nosso coração para que possamos hospedar o Espírito que nos ensinará como escutar Deus e sua palavra de vida, escutar o irmão com suas histórias de dor e alegria, escutar a criação que se dá a nós com generosidade, mas que nos pede respeito e sensatez no trato com ela.
Como nos diz insistentemente o autor do Apocalipse ao escrever para as comunidades cristãs da Ásia Menor, “quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas…”.