Alegria e paz! 2f3q19
A palavra epifania designa manifestação de Deus e, no caso da solenidade cristã que celebramos, indica manifestação do Menino-Deus que nasceu de Maria e veio tornar visível o rosto invisível de Deus. Uma celebração repleta de simbologia, voltada para nos fazer perceber que há algo novo acontecendo; há uma atuação divina diferente em andamento, no curso da história.
O nascimento de Jesus é marcado por inúmeras improbabilidades, sob a ótica humana. Filho de uma jovem que engravidou antes de efetivar o casamento, sofrimento de perseguição por parte do rei Herodes, lugar inadequado para nascer, entre outras coisas, mas o nascimento deste menino esconde muitos mistérios que serão revelados ao longo de sua história.
A visita dos magos é um interessante episódio de manifestação dos mistérios do Jesus-Menino. Recheado de detalhes, o evento narrado nos evangelhos, aguça nosso imaginário e permite aprofundar nossa compreensão da revelação de Deus em Jesus. De repente, três sábios vindos do Oriente se encarregam de fazer o reconhecimento de Jesus e de evidenciar elementos muito importantes de sua identidade.
No texto bíblico há um contraponto importante: os magos foram capazes de chegar a Jesus por terem visto “a sua estrela no Oriente”, ao o que Herodes fica perturbado e precisa reunir “todos os sumos sacerdotes” para descobrir onde nasceria o Messias. Aqueles que estão com o coração aberto são capazes de perceber os sinais do Menino-Deus e de caminharem ao seu encontro; aqueles que estão com o coração fechado e indisponível para o encontro com Jesus, sentem perturbação e não sabem onde encontrá-lo.
Os magos, ao se encontrarem com a criança que foram visitar, prostram-se diante dela e a adoram. O gesto evidencia o reconhecimento da condição de Jesus: embora recém-nascido, um rei. Ademais, os presentes que ofertam indicam uma natureza diferente deste rei. Não é um rei como outro qualquer: “O ouro representa a realeza de Jesus. Um rei distinto de todos os reis que até então a história de Israel havia produzido. Um rei bem diferente de Herodes. O segundo presente, o incenso, representa a divindade desse rei. Eles estavam diante de um rei divino e não de um rei qualquer. O terceiro presente, a mirra, significa que esse rei divino daria a vida pela vida dos seus. A mirra era usada para embalsamar os corpos na ocasião da morte. Oferecer mirra significou não o reconhecimento da morte, mas da doação da vida até as últimas consequências, a missão deste novo rei” (Pe. José Carlos Pereira. Liturgia da Palavra II, Paulus, 2015, p. 128).
Os magos, por intermédio dos presentes que ofereceram, nos ajudam a compreender importantes características de Jesus e de sua missão, além de delinear um jeito de viver para aqueles e aquelas que desejarem visitá-lo e segui-lo. Um rei diferente como Jesus requer um jeito diferente de viver, como acontece com os reis que tomam um caminho diferente.
Ao terminarem sua experiência com Jesus, os magos voltaram para casa, mas não voltaram pelo mesmo caminho que vieram, ao contrário, voltaram por outro caminho, deixando-nos uma dica muito valiosa: quem encontra o verdadeiro Menino-Deus, percorre caminhos diferentes, portanto, não é muito coerente vivenciar “encontros” com Jesus (na Eucaristia, na Palavra, na oração etc.) e não manifestar a disposição para caminhar por caminhos diferentes, pois o contato real com Jesus é capaz de fazer-nos caminhar por estradas diferentes.
A celebração da Epifania do Senhor abre-nos a possibilidade para atualizar outras tantas manifestações do Deus que caminha conosco. Com olhar atento e com o coração aberto, podemos ver o Senhor que se manifesta na Eucaristia, ponto de partida e de chegada da experiência comunitária; podemos ver o Senhor que se manifesta no milagre do cuidado com as pessoas vulneráveis (pobres, encarcerados, migrantes etc.); podemos ver e sentir o Senhor que se manifesta em nossa capacidade de conviver, sem julgar, com as pessoas que pensam, creem, sentem e vivem de maneira diferente da nossa própria maneira.
O Menino Jesus, que foi reconhecido, visitado e adorado pelos magos, continua disponível em diversas manjedouras à nossa volta, das quais aquela que vemos no presépio é apenas um símbolo. Devemos tomar cuidado para que a contemplação do símbolo não tire de nós a sensatez e a honestidade, a ponto de ignorarmos ou negligenciarmos a presença de Jesus na realidade cotidiana, pois, em algum sentido, o bebê recém-nascido, identificado pelos magos do Oriente, era demasiado comum a olhos insensíveis, mas eles foram capazes de ver a manifestação de Deus no comum.
Por fim, toda meditação sobre a Epifania, segundo os ensinamentos de São Leão Magno, Papa e Doutor da Igreja do século V, deve levar em conta a humildade; afinal, a própria condição de Jesus na manjedoura é sinal indubitável de humildade: um Deus que se fez gente ao se encarnar do útero de Maria e que nasce frágil e carente de cuidados básicos.
A contemplação da cena do presépio deve nos levar a reconhecer nossa condição de criaturas, pois o próprio criador foi humilde ao assumir nossa condição humana. A humildade precisa, neste sentido, ser a principal marca daqueles e daquelas que encontram com o Senhor “Por isso, amadíssimos, a prática da sabedoria não consiste nem na abundância de palavras, nem na habilidade para discutir, nem no desejo de louvor e glória, mas na sincera e voluntária humildade, que o Senhor Jesus tem escolhido e ensinado como verdadeira força desde o seio de sua mãe até o suplício da cruz” (São Leão Magno, Sermão 7, na Epifania).
A Epifania do Senhor é um convite para o exercício da voluntária humildade. A Epifania é momento oportuno para lembrar que há uma igualdade absoluta entre as pessoas; que ninguém é melhor que ninguém; que a humanidade que nos fragiliza ou fortalece, pulsa em todas as demais pessoas, independentemente de elas se parecerem mais ou menos conosco.
A visita ao Menino Jesus, seja aquele presente nos presépios performáticos que usamos por ocasião do Natal, seja aquele presente nas experiências do cotidiano, deve nos recordar que a principal estratégia usada por Deus para revelar sua face salvadora foi fazer-se gente como a gente. Que desmontemos os presépios simbólicos para, humildemente, continuarmos visitando o mesmo Jesus que se manifesta, aqui e agora, nos tantos presépios da vida.