Comemoramos em maio de 2022 sete anos da publicação da Laudato Si’, a primeira encíclica ecológica do magistério social da Igreja. Temos muito o que comemorar, considerando, principalmente, o significado e a referência da encíclica do Papa Francisco para a vida cristã, como marco para a Igreja ao despertar a consciência e ação cristã para uma nova maneira de pensar e de conviver com o planeta, um novo ethos. A Laudato Si’ possibilitou um intenso diálogo cristão com cientistas e ambientalistas acerca das urgências planetárias, da missão de salvaguardar a “casa comum” como compromisso de todos. Sua abordagem a partir da perspectiva da ecologia integral – um discurso ecológico a princípio visto sob reservas pelos católicos – foi tida por especialistas como grande avanço na compreensão cristã da ecologia e fundamental para aguçar a visão mais ampla da consciência planetária, a percepção de que todas as coisas estão interligadas ou inter-relacionadas. A singularidade da Laudato Si’ nessa visão ecológica consistiu em conceber a natureza como criação divina, obra do Criador. Para muitos, sua mais revolucionária contribuição foi seu teor profético, sintetizado na expressão “o grito da terra é o grito dos pobres, ambos são um só e mesmo grito”. 464h2y
A celebração dos seus sete anos dá-se no momento em que a noção de colapso da nossa sociedade se expande nas análises, as atitudes predatórias ao meio ambiente grassam, os crimes ambientais multiplicam-se e os governos não conseguem chegar a consensos e acordos aceitáveis por todos na redução da emissão de gases de efeito estufa e de mudanças de matrizes energéticas. Ainda que tenhamos esforços, ideias e práticas inspiradoras de nações, instituições, grupos, empresas e pessoas em vista da preservação do planeta, a consciência prevalente é a de que os desafios estão à frente das nossas respostas. Estamos a viver dias tenebrosos no que versa sobre a defesa e a preservação da “casa comum”, a título de exemplo, no Brasil, o desmatamento da floresta amazônica, a morte de lideranças indígenas (segundo o Atlas da Violência 2021, mais de 2 mil indígenas foram assassinados entre 2009 e 2019; no ano de 2019 foram registrados 277 casos) e de ambientalistas tornou-se prática recorrente, como o caso mais recente, do jornalista britânico Dom Philips e do indigenista brasileiro Bruno Pereira, em 05 de junho na região amazônica no Vale do Javari.
Os desafios à nossa frente – climáticos, políticos, econômicos e sociais – refletem, certamente, nossa incapacidade de encontrar soluções globais para os problemas globais que criamos. Ilustra tal inépcia a dramática situação dos refugiados no mundo. Conforme relatório da ACNUR (Agência da ONU para Refugiados), ao final de 2021, o número de pessoas deslocadas por guerras, violência, perseguições e abusos de direitos humanos chegou a 89,3 milhões (um crescimento de 8% em relação ao ano anterior). A invasão da Ucrânia pela Rússia e outras emergências humanitárias, da África ao Afeganistão, fizeram crescer este número para a marca de 100 milhões. A gravíssima situação da fome, tendo crescido mais de 20% e atingido atualmente 193 milhões de pessoas no mundo, oferece outro ilustrativo da incapacidade das nossas respostas. No Brasil, segundo relatório da PENSSAN (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional), em 2022, a fome atinge 33,1 milhões de pessoas que não têm o que comer. Além disso, 58,7% convivem com a insegurança alimentar em algum grau, leve, moderado ou grave. Os dados revelam que o Brasil regrediu para um patamar equivalente ao da década de 1990. Considerando a perspectiva dos desafios, os avanços dados são pálidos, talvez insuficientes para a reversão de rumos.
Ainda que tais situações desafiadoras possam obscurecer o olhar mais otimista quanto às respostas dadas para a reversão ou a reorientação de rumos na relação homem-planeta, a comemoração dos sete anos da Laudato Si’ reaviva nossa esperança. Leva-nos a retomar sua atualíssima reflexão, princípios e diretrizes como inspiração para a resistência e luta dos povos na defesa da terra, território e patrimônio cultural. A Laudato Si’ é uma conclamação aos cristãos e a todas as pessoas que partilham o sentimento de “comunidade de destino” a inaugurarem um ethos planetário, por meio de uma comunidade de povos, a sociedade do “bem viver”. Ela requer uma mudança que se inicia dentro do ser humano, pelo cultivo de uma espiritualidade e educação ecológicas, e alcança o social pela transformação das estruturas e instituições coletivas. Definitivamente, a Laudato Si’ inseriu a pastoral cristã no compromisso planetário.